CARTA DE UM CAMPEÃO MUNDIAL - PAULO ANDRÉ

DOMINGO, 16/12,SAÍDA PARA O ESTÁDIO, 17h
Finalmente, estávamos todos sentados e posicionados no ônibus que nos levaria ao estádio. Tite chamou o Alessandro, que saiu do penúltimo banco à esquerda e foi ao encontro do treinador. Conversaram baixinho. Alguns segundos depois, desceram as TVs do ônibus e um vídeo começou a ser transmitido. Era mais uma produção da comissão, com a participação de nossos familiares. Cada um dos 23 jogadores estava sendo representado por alguém – mãe, pai, filhos, irmã ou irmão. Até a mãe do Guerrero e o pai do Martínez haviam sido gravados pelo Skype.
Tudo muito emocionante, até que um dos pais começou a chorar, dizendo que o filho merecia estar ali, que era um exemplo e que voltaria campeão do mundo. Ninguém se moveu, todos evitaram olhar para o lado. Não era hora de chorar! A garganta segurou o choro, os olhos se encheram de lágrimas, a vontade de representar nossos familiares aumentou. O corpo todo estava arrepiado quando o vídeo acabou. Uma salva de palmas trouxe a normalidade ao ambiente enquanto uns olhavam de um lado para o outro para ver o tamanho do “estrago” feito por aquela surpresa. Ficou claro que o Tite queria saber a opinião do nosso capitão Alessandro com relação à apresentação, ou não, do vídeo. Emocionar demais os atletas seria bom ou ruim? Foi na medida certa, estávamos prontos para o jogo.

Ao chegarmos ao vestiário, cada um encontrou seu material e a camisa de jogo pendurada no cabide. Eu sentei no meu box, respirei fundo e percebi que não tinha mais para onde correr. Na minha frente estava a maca na qual os enfermeiros e fisioterapeutas trabalhavam em ritmo acelerado. Uma fila se formou naquele lugar. Cássio foi o primeiro, depois o Chicão, Alessandro e Guerrero. Quatro injeções em menos de três minutos. Lembrei-me das inúmeras injeções que tomei nos últimos anos, a maioria delas para conseguir passar aqueles 90 minutos sem dor. Não precisei disso desta vez, mas estava atento e solidário porque sabia exatamente o tamanho do sofrimento e da dificuldade de cada um deles.
Mas uma coisa me chamou a atenção: Cássio saiu de uma maca e foi para outra para que o Bruno Mazziotti mobilizasse seu ombro. Algo que já o vinha incomodando há meses e que, às vezes, ele dizia impedi-lo de levantar o próprio braço. Como eu me lembro de tudo isso? Ainda faltavam 30 minutos para o aquecimento e eu não tinha o que fazer ali dentro. Peguei meu celular e comecei a escrever tudo que estava acontecendo. Foi algo especial que me fez observar o Cássio naquela noite. Sua expressão de dor era nítida, mas tinha um olhar profundo, como quem estava concentrado, visualizando o que estava por vir – se bem que, talvez, nem em seus melhores sonhos ele imaginasse que iria apresentar tamanha perfeição muito em breve. 
No corredor, aguardando o comissário da Fifa que autoriza a entrada das duas equipes no campo, perfilamos ao lado do time inglês. O Ivanovic, um defensor alto e muito forte, começou a bater no peito como se estivesse pronto para a briga. Confesso não ter me impressionado, mas gostei da tentativa. Ao subir a escadaria que nos levou até o campo, senti uma alegria indescritível. O som do estádio aumentou, e a nossa torcida fez uma verdadeira festa, dominando a cena no Yokohama Sttadium.
O juiz deu início à partida e, dali para frente, eu pouco consigo lembrar. As imagens devem falar muito mais do que eu poderia escrever. De qualquer forma, quando saímos para o intervalo e caminhamos até o vestiário, o encorajamento e a confiança tinham tomado conta do grupo. Sentamos no chão à espera do Tite, que, antes de passar as instruções, tem o costume de se reunir com três ou quatro membros da comissão para definir o que será passado, em termos de mudança, a nós, jogadores.

Enquanto ele não aparecia, individualmente alguns jogadores tomaram a palavra. Alessandro disse que estava ótimo e, se continuássemos assim, ganharíamos. Paulinho repetiu, cobrando ainda mais intensidade. Eu pedi calma, pois teríamos mais espaços para jogar e, se mantivéssemos a marcação, teríamos a bola do jogo nas nossas mãos. E assim foi, de boca em boca, que a confiança explodiu em nossos corações. Após o jogo, eu cheguei à conclusão de que, enquanto chegávamos ao vestiário pensando: “Caramba, dá pra ganhar”, o Chelsea foi para o intervalo pensando: “Caramba, dá pra perder”. 

E o que se viu no segundo tempo foi exatamente isso. O gol do Guerrero veio coroar um segundo tempo magistral que fizemos. Fábio Santos e Danilo tabelavam pela esquerda como se estivessem na rua de casa. Paulinho se soltou mais e encontrou um buraco no meio-campo inglês. Jorge Henrique estava extenuado e, mesmo assim, não desistiu de nenhum lance. Nós, da defesa, mantivemos a coragem e seguramos a linha de quatro o mais alto possível. Enquanto Alessandro barrava o melhor jogador da equipe londrina, Cássio fazia seus milagres no estádio de Yokohama. Emerson Sheik aproveitou sua malandragem para expulsar o zagueiro adversário, e o Ralf corria três vezes mais que qualquer um de nós. Depois, Wallace entrou para segurar a bola aérea e o guerreiro Paolo deu lugar para Martínez.

Quando o juiz decretou o fim do jogo, só consegui dizer: “Campeão do Mundo, Campeão do Mundo, Campeão do Mundo!” A cabeça percorreu o estádio, pensou em cada corintiano que atravessou os continentes e estava ali testemunhando aquela noite inesquecível. Procurei meu pai e meu irmão por duas voltas olímpicas, mas não os encontrei. Só abraçaria os dois loucos lá de casa no dia seguinte, no café da manhã. Dei algumas entrevistas. O sorriso não saía do rosto.
Voltamos ao hotel. Tomamos champanhe, cerveja, refrigerante e comemos, pela primeira vez em 15 dias no Japão, a verdadeira comida japonesa, com sushi e sashimi à vontade. Depois da celebração com toda a comissão e funcionários, subimos aos quartos para arrumar as malas. Fábio Santos, Douglas, Sheik, William Arão, Bruno Mazzioti, Edu Gaspar (gerente de futebol), Cleber (auxiliar do Tite), Duílio Monteiro Alves (diretor-adjunto de futebol), Roberto Andrade (diretor de futebol) e eu sentamos no chão do corredor do hotel e, como bons amigos de uma jornada incrível, começamos a conversar sobre toda a nossa caminhada até ali. Outros jogadores foram se aconchegando e o papo não teve fim. Ficamos até às 6h da manhã dividindo histórias e rindo da vida. Lembranças, amigos e sentimentos que jamais deixarão o meu coração e a minha mente. Somos campeões do mundo! Mas esse mesmo coração já começa a vislumbrar 2013 e quer voltar a bater acelerado com novas conquistas e grandes histórias. Quem sabe não voltarei aqui para contá-las?

Essa é a minha versão dos fatos, com as palavras, horários e dados que ficaram em minha memória. Direto do aeroporto de Los Angeles, onde aguardo minha conexão para as merecidas férias, Paulo André.

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