José Saramago
" Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória. "
José Saramago.
Os meus trisavós paternos, Anna Fernandes Espoilde e João Rodrigues da Eira, apesar de serem lavradores com algumas posses decidiram enviar a Maria Mercedes para o Brasil onde um noivo esperava por ela. Tenho pena de não conhecer mais pormenores sobre a história de vida e morte da minha antepassada Mercedes. Questiono-me se ela conhecia o futuro marido ou simplesmente se curvou perante a vontade dos pais e aceitou passivamente um casamento arranjado. As uniões matrimoniais no estrangeiro muitas vezes viriam consolidar transações comerciais, fortalecer laços familiares e a possibilidade de acrescentar terrenos e propriedades na terra de origem. A minha tia bisavó não era feia e certamente teria um pequeno dote e por fazer parte das principais famílias de Vila Seca de Poiares acredito que não tivesse dificuldade em contrair matrimónio na sua terra natal com um primo afastado como era o costume. Ignoro a razão porque a obrigam a partir para o outro lado do Atlântico.
Perante as agruras económicas e sociais, a emigração surge naturalmente. A sua tendência é um aumento contínuo.
O cobiçado bilhete para o Brasil, acompanhado de passaporte, surge por artes mágicas nas mãos de engajadores que exigem verdadeiras hipotecas às famílias para o envio de um de seus filhos.
Muitos emigrantes não têm sequer 14 anos; mão- de-obra barata e cobiçada. Chegam a viajar sem tutores ou tutelados pelos engajadores, mas à família pouco importa a transparência do poder paternal. Desejam, muitas vezes, descartar-se de um encargo que as condições quase inalteráveis do trabalho regional lhes tornam difícil, senão impossível de aturar, é fazer do filho uma fonte de receita, ou pelo menos um arrimo carinhoso quando vierem mais tarde a velhice e a invalidez. É a sua caixa económica, o seu seguro de vida, o seu capital de reserva- a criança que eles exportavam para o Brasil.
Em 1906 , 63% da população estrangeira no Rio de Janeiro é constituída por portugueses e no final da década serão portugueses um quarto dos habitantes de Santos. As histórias de enriquecimento no Brasil aliciam à grande aventura gente que nunca perdera de vista a povoação onde nascera.
A maioria descobre que o Eldorado é de escória: um cálculo feito na região do Rio de Janeiro conclui que em mil portugueses, dez enriquecem, cem são remediados e o resto limita-se a garantir a sobrevivência.
No período em que a Maria Mercedes emigra, ou seja, na década de 1880 segundo dados dos CTT , chegavam anualmente cerca de 600.000 cartas e postais do Brasil para Portugal. Números impressionantes sobretudo se levarmos em consideração a alta taxa de analfabetismo no Portugal rural.
Portanto, por mais que conjecture não consigo encontrar o verdadeiro motivo porque decidem enviar a Maria Mercedes para um casamento com um primo a viver no Brasil.
Possivelmente a fotografia foi tirada momentos antes do embarque.
O destino foi ingrato. Durante a travessia tudo corre naturalmente. Além de piolhos que apanhou no navio desembarca fragilizada e debilitada. O clima insalubre em nada ajudou. Contraiu febre amarela e faleceu. Foi enterrada no cemitério de São João Baptista na cidade do Rio de Janeiro.
A avó Luísa recordava muitos primos e tios Eiras que partiram e tiveram o mesmo fim. Dizia: o Rio de Janeiro era conhecido como o cemitério dos portugueses.
Tão bonita e tão jovem a tia Maria Mercedes...
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