Natal na caatinga - Francisco A. Rodrigues

 


Natal na Caatinga 

No dia 25 de dezembro de 1933, enquanto o sol ardia implacável sobre a caatinga, o cangaceiro Asa Branca e seu bando enfrentavam a dura realidade da vida no sertão. Após uma violenta refrega com a volante de Zé Rufino, onde perderam valiosos companheiros, a fome e a sede tornavam-se seus piores inimigos. Para muitos, era um dia de celebração, mas para eles, era apenas mais um dia de luta pela sobrevivência. Caminhando sob o calor escaldante, Asa Branca percebeu que alguns dos seus cabras já estavam à beira da desistência. Foi então que avistaram ao longe uma casa simples, com um alpendre que parecia convidativo. "Vamos ver se nessa casa tem água e comida", disse Asa Branca, com a voz firme, mas cautelosa. "Mas lembrem-se, sem violência. A volante está no nosso encalço e não queremos chamar atenção." Ao se aproximarem da casa, notaram que os móveis eram antigos e retratos de santos adornavam as paredes, típicos das residências sertanejas. Inicialmente, não encontraram ninguém em casa. O silêncio do ambiente era opressor até que uma senhora apareceu, segurando uma lamparina que iluminava seu rosto cansado, mas sereno. "Que querem em minha casa?", perguntou ela com uma voz suave. "Água e comida, senhora", respondeu Asa Branca, com humildade. A velha olhou para os cangaceiros e viu em seus rostos a marca da luta e da dor. "Vou arrumar água e comida pra todos. Hoje é o Natal de Nosso Senhor, e hoje mais que outros dias devemos ajudar a quem necessita." Com essas palavras, ela se afastou para preparar o alimento. Enquanto esperavam, os cangaceiros sentiram uma estranha sensação de paz invadir o ambiente. Quando a senhora retornou com pratos fartos e cabaças cheias d'água, parecia que o calor do Natal havia aquecido até mesmo os corações endurecidos pelo sofrimento. Eles comeram em silêncio, agradecendo cada garfada como se fosse um presente divino. Após saciarem a fome e encherem as cabaças d’água, Asa Branca agradeceu à velha com sinceridade: "A senhora salvou nossas vidas hoje." Ela apenas sorriu e fez um gesto de bênção. Dias depois, movido pela gratidão, Asa Branca decidiu voltar ao local para agradecer novamente àquela mulher bondosa. Mas ao chegar lá, encontrou apenas um espaço vazio onde antes havia a casa simples. O alpendre tinha desaparecido como se nunca tivesse existido. Confuso e entristecido, ele olhou ao redor em busca de alguma pista do que poderia ter acontecido. Foi então que um velho pescador que passava por ali se aproximou, percebendo o semblante confuso de Asa Branca: "Aquela casa não é deste mundo, meu amigo. A senhora que te ajudou é uma alma iluminada que aparece de tempos em tempos na época do Natal, apenas para aqueles que precisam realmente." Asa Branca ficou em silêncio por um momento, refletindo sobre as palavras do pescador. Ele percebeu que aquele encontro não fora apenas sobre comida ou água; fora uma lição sobre humanidade e compaixão em meio à dureza do sertão. Com o coração renovado e uma nova perspectiva sobre sua jornada no cangaço, Asa Branca seguiu em frente com seu bando. O espírito daquela velha senhora permaneceria com ele para sempre — um lembrete de que mesmo nas circunstâncias mais difíceis, mesmo na dureza do cangaço, há espaço para bondade e solidariedade. E assim, naquela caatinga árida e cruel, o Natal de 1933 não foi apenas um dia de luta pela sobrevivência; tornou-se também um símbolo da esperança que brota mesmo nos lugares mais inóspitos. Asa Branca morreu dois anos depois, num feroz embate contra a força de seu incansável algoz Zé Rufino.

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