O SÍTIO BURITI - JOÃO BOSCO GASPAR



 O SÍTIO BURITI... ANO DE 1975. “Meu pai era proprietário rural de uma fazenda localizada no Morro Redondo, no município de Coreaú, quase no sopé da Serra da Meruoca e uma outra na Serra da Ibiapaba, no município de Tianguá, no Distrito de Acarape. O sítio na Ibiapaba, tinha o nome de ‘Buriti’, um lugar verde e frio, com um palmeiral de coco babaçu e buritis. No sítio, havia, na baixada, um lindo canavial. Os moradores eram os nativos Raimundo e sua esposa Joana, além dos filhos do casal, com os quais convivia nas temporadas que passávamos por lá, no período do corte da cana-de-açúcar, meses de julho e agosto. Os nativos, eram pessoas simples, possuíam traços físicos e comportamentais indígenas, características dos nativos da Ibiapaba, talvez descendentes dos Tabajaras ou Tapuias. Essa aparência física era mais forte ainda em Dona Joana, que marcou as minhas lembranças pela forma que se dirigia aos meus pais, ela os chamava de “dona Diorlanda e seu Dordete”. E também pelos rituais culinários e pessoais rústicos. Por mais que tentassem, não alteravam a pronúncia e a forma de viver. Se recolhiam para dormir por volta das 6 horas da tarde e despertavam com o sol nascente. Era motivo de admiração acompanhar de perto a lida dos nativos camponeses e seus rituais no sítio, tanto com a agricultura, como com os animais. A vegetação da Ibiapaba, tem resquiscios da Mata Atlântica, e por estar em uma zona de transição possui microbiomas de cerrado, matas dos cocais e caatinga, em alguns pontos, estas vegetações aparecem mescladas. Tem rica fauna, com muitas aves, roedores e mamíferos de pequeno e médio portes. As práticas para a moagem da cana, no período da cortada, desde o corte até ser transportada em animais e carros de bois, era de uma beleza singular. Naquele tempo para fazer o moedor se mover era utilizada a força motriz dos animais, junta de bois, presos numa grande haste de madeira — canga de boi — que ficavam caminhando em círculo rodando as hastes das moendas e transformando a cana em garapa. O produto da moagem seguia através de rústicos canos de taboca para os tachos na fornalha. Estes recebiam a garapa de cana para a transformação em rapadura. O cheiro delicioso do doce mel que exalava dos tachos de cobre ficou guardado comigo. A confecção e fabricação da rapadura, dispõe de um “chef gourmet” que estabelece o “ponto” e acrescenta na medida, ingredientes e condimentos como: o ponto da cocção e o quantitativo de cravos, coco, mamão, cidra ou laranja e ervas. Daí resulta a rapadura ou doce especial, a chamada batida. Isso dava um sabor novo e diferente. Os doceiros, a meu pedido raspavam com faca parcialmente o caule da cana e o lambuzava no tacho com mel. Era esperado o mel resfriar para iniciar o puxa-puxa, que resultava no saboroso alfenim ou puxa-puxa. Ao final da moagem, a produção de rapadura era transportada num caminhão alugado para Coreaú, aonde eram comercializadas. No Sítio Buriti havia também uma pequena produção de café, banana, limão, babaçu, macaúba e laranja. Os nativos confeccionavam óleo de babaçu para o uso doméstico na cozinha e com os derivados do babaçu ou borra, produziam sabão em barra ou sólido para uso doméstico e asseio corporal. As frutas macaúbas e babaçus também eram conduzidas no retorno a Coreaú em caminhão e tinham boa apreciação e aceitação junto à meninada do sertão, pois além da polpa, o caroço era quebrado e dele extraído um delicioso coquinho. Existia uma tradição, dos nativos da serra, que consistia em comer frito um tipo de besouro que proliferava no caule de palmeiras e era removido por uma intervenção “cirúrgica”. De forma primitiva, também extraíam o palmito muito apreciado nas saladas dos restaurantes sofisticados. O entardecer no Sítio Buriti com o farfalhar das palmeiras, dos buritis e babaçus fazia nascer um sentimento que misturava nostalgia e medo, por conta da escuridão da noite, que chegava e sem iluminação elétrica. Nesse momento o frio também surgia, mas era amenizado com um pijama de chambre de lã e um cobertor quente”.

Fonte: Trecho do livro “O Sonho é Realidade” de Galba Gomes, p. 57-59. Créditos das Imagens: Galba Gomes “Sítio Buriti, Tianguá-CE, ano de 1975”.

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