BANDIDOS SOCIAIS

   No final do século XIX, começaram a surgir no Nordeste bandos armados que procuravam fazer justiça com as próprias mãos. conhecidos como cangaceiros, esses grupos existiram até quase o final da década de 1930. Para muitos, não passavam de cruéis bandidos; para outros, eram verdadeiros heróis. o texto a seguir, escrito pelo historiador Eric Hobsbawm, trata desses personagens.

   Para a lei, quem quer pertença a um grupo de homens que atacam e roubam com violência é um bandido, desde aqueles que se apoderam de dinheiro destinado e pagamento de empregados, numa esquina da cidade, até rebeldes ou guerrilheiros organizados que não sejam oficialmente reconhecidos como tal.
   No entanto, os historiadores e sociólogos não podem utilizar uma definição tão vaga. Ocupar-nos-emos aqui com apenas alguns tipos de ladrões, ou seja, aqueles qua a opinião pública não ocnsidera criminosos comuns. Ocupar-nos-emos essencialmente com uma forma de rebelião individual ou minoritária nas sociedades camponesas.
   O ponto básico a respeito dos bandidos sociais é que que são proscritos rurais, encarados como criminosos pelo senhor e pleo Estado, mas continuam a fazer parte da sociedade camponesa, e são considerados por sua gente como heróis, como campeões, vingadores, paladinos da Justiça, talvez até mesmo como líderes da libertação e, sempre como homens a serem admirados, ajudados e apoiados. É essa ligação entre o camponês comum e o rebelde, o proscrito e o ladrão, que torna o banditismo social interessante e significativo.(...)
O banditismo social constitui fenômeno universal, que ocorre sempre que as sociedades se baseiam na agricultura  (inclusive as sociedades pastoris), e mobiliza principalmente camponeses e trabalhadores sem terras, governados , oprimidos e explorados - por senhores, burgos, governos, advogados, ou até mesmo bancos.(...)
   A moderação ao matar e agir com violência faz parte da imagem do bandido social. não há razão para esperarmos que, como grupo, ajam de conformidade com os padrões morais que aceitam e que seu público deles espera , mais do que se espera do cidadãocomum. Não obstante, a primeira vista causa estranheza encontrarmos bandidos que não só praticam o terror e a crueldade numa medida que não pode ser explicada como simples retaliação, mas cujo terror na verdade faz perte de sua imagem pública. são heróis, não a despeito do medo e horror que inspiram suas ações, mas, de certa  forma, por causa delas. São menos desagravadores de ofensas do que vingadores e aplicadores da força; não são vistos como agentes de Justiça, e sim como homens que provam que até mesmo os fracos e pobres podem ser terríveis.
   Não é fácil dizer se devemos considerar esses monstros públicos como uma variedade especial de banditismo social. O universo ético a que pertencem (isto é, que é expresso nas canções, poemas e nos folhetos de feiras ) contém os valores do "ladrão nobre", tanto quanto os do monstro. como escreveu o cantador a respeito de Lampião.
   Ele matava de brincadeira,
   Por pura perversidade,
   E alimentava os famintos
   Com amor e caridade.
   Entre os cangaceiros do nordeste do Brasil havia aqueles que, como o famoso Antônio Silvino (1875- 1944, ativo como líder em 1896-1914), são lembrados principalmente por suas boas ações, e outros, como Rio Preto, que se tornaram conhecidos pela crueldade.Contudo, num sentido amplo, a imagem do cangaceiro combino os dois tipos . ilustremos este ponto seguindo a narrativa de um dos cantadores do cangaceiro de maior renome, , Virgulino Ferreira da Silva(c 1898-1938), conhecido em toda parte como " o Capitão ou  Lampião).
   Segundo a lenda ( e o que nos interessa no momento é mais a imagem do que a realidade), ele nasceu numa família de respeitáveis agricultores e criadores de gado da raiz da serra do agreste de Pernambuco, "naquela época passada, quando o sertão era muito próspero", criando-se como um garoto dado ao s livros - e portanto, segundo a lenda, relativamente débil.
   Os fracos devem poder identificar-se com o grande bandido. Como escreveu o poeta Zabelê:
   Por onde Lampião anda,
   Minhoca fica valente,
   Macaco briga com onça
   E o carneiro não amansa
   Seu tio, Manuel Lopes, declarou que o menino  certamente se tornaria um doutor Isto fazia as pessoas rirem.
   Pois não se viu doutor
   Naquele imenso sertão,
   Só se via era vaqueiro,
   Batalhão de cangaceiro,
   Ou cantador de baião.
   De qualquer forma o jovem Virgulino não queria ser doutor, e sim um vaqueiro, ainda que tenha aprendido o abecedário e o "algarismo romano" com  apenas três meses na escola  e fossse hábil repentista.
   Quando ele tinha 17 anos os Nogueiras expulsaram os Ferreiras da fazenda  onde viviam, acusando-o falsamente de roubo. Assim começou a rixa que o levaria a marginalidade. "Virgulino", recomendou alguém: "confie no divino juiz", mas ele respondeu: O Bom Livro manda honrar pai e mãe e se que não defendesse meu nome, perderia minha macheza". Por isso:
   Comprou um rifle e punhal
   Na vila de São Francisco;
e formou um bando com seus irmãos e 37 outros combatentes (conhecidos pelo poeta e e por seus vizinhos pelos apelidos , muitas vezes dados tradicionalmente aos que iam para o cangaço ) para atacar os Nogueiras, na Serra Vermelha . Passar da rixa de sangue ao banditismo era um passo lógico (e necessário, dado a maior força dos Nogueiras). Lampião tornou-se um bandido errante, ainda mais famoso que Antônio Silvino , cuja captura em 1914 deixara uma lacuna no panteão do sertão.
   Porém não poupava a pele
   De militar nem civil,
   Seu carinho era o punhal
   E o presente era o fuzil...
   Deixou ricos na esmola
   Valente caiu de sola,
   Outro fugiu do Brasil...
   entretanto, diz o poeta, durante todos os anos (c.1920-1939) em que ele espalhou o terror pelo nordeste , nunca deixou de lamentar o destino que o tornara um bandido ao invés de trabalhador honesto e que o conduzia a morte certa, só tolerável se tivesse a sorte de morrer num combate leal.
   Lampião foi e ainda é um herói para sua gente, mas um herói ambíguo.
   Adaptado de Eric Hobsbawn .Bandidos, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1975, pág10-1, 13,19, 54-7

  



Comentários

AO ACESSAR ESTE BLOG VOCÊ TENHA O PRAZER DE SE DEPARAR COM AS COISAS BOAS DA NOSSA TERRA! OBRIGADO E VOLTE SEMPRE!