Cem anos depois, sertão do Ceará guarda histórias da seca de 1915

Veja a primeira reportagem da série ‘Cem Anos da Seca do 15′. Cenários ainda lembram ‘O Quinze’, livro sobre uma maiores estiagens
“Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos vazios, na descarnada nudez das latas raspadas”. A descrição de uma das mais severas secas no Ceará é do livro “O Quinze”, da escritora cearense Rachel de Queiroz.
Cem anos depois, a rotina da agricultora Irismar Moreira mostra uma realidade parecida. O fogão à lenha esquenta o alimento que encontrar para a família. “Seis bocas para dar de comer não é muito fácil. A gente compra feijão, compra massa de milho. Tem dia que falta, tem dia que a gente arranja alguma coisa nos vizinhos. Quando se acaba, a gente arranja uma coisa num canto e noutro”, afirma Irismar, moradora da cidade de Quixadá, a 149 km de Fortaleza, cenário do livro de Rachel.
O Bom Dia Ceará exibe, de hoje até sexta-feira (3), a série “Cem anos da seca“.  Além de lembrar os cem anos da seca de 1915, as reportagens também vão mostrar cenários retratados no livro de Rachel de Queiroz, como os campos de concentração, as maiores secas ao longo dos últimos cem anos no Ceará, a disputa pela água ainda nos tempos atuais e formas de conviver com a estiagem.
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Em Quixadá, Irismar prepara comida na casa de taipa
(Foto: TV Verdes Mares/Reprodução)
Esperança
A casa de taipa que abriga a família de Irismar fica encravada no mesmo sertão que inspirou Rachel de Queiroz a escrever “O Quinze”, uma das mais importantes obras da literatura brasileira. Revisitar a paisagem do local nos primeiros meses do ano é renovar as esperanças de que a estação chuvosa que os sertanejos chamam de “inverno” chegue de vez.

As poucas chuvas já mudam a paisagem e deixam a vegetação verdinha, mas ainda é muito pouco para quem enfrenta quatro anos de seca. “A água também é difícil, não tem. Os cacimbões são todos secos. É difícil. Só sabe quem passa as consequências”, diz o agricultor Manuel Constâncio de Souza.
No quintal do criador José Félix, as três vacas que sobraram tentam pastar no verde que surgiu. “Não dá ainda para escapar gado porque, primeiro, que está fino as chuvadas. O Cedro (açude) está seco, está ficando seco. Aí, não tem condições de criar muito gado”, explica.
Para José, a ”seca do Quinze” é história vivida pelos avós, mas ele mesmo já enfrentou algumas grandes estiagens e se diz cansado de reviver sempre o mesmo drama. “O açude secou também em setenta, parece que em 82,81, uma coisa assim. E agora, né? Sempre é a mesma coisa, a mesma dificuldade, forragem para bicho, tudo…”.
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Anúncio sobre o livro “O Quinze” (Foto: TV Verdes
Mares/Reprodução)
‘O Quinze’
No sertão do início do século passado, a seca chamou a atenção da jovem escritora Rachel de Queiroz, que na época tinha apenas 20 anos de idade, e surpreendeu ao descrever tão bem o drama do sertanejo.
“A grande ajuda, a grande filantropia da Rachel foi registrar aquilo de forma tão bela. Quer dizer, ela redimiu aquela situação. O que a literatura pode fazer em relação à humanidade é a redenção, mostrar as coisas mais sofridas, redimendo, transformando aquilo em arte e dando uma dignidade a toda aquela situação, a todos aqueles personagens. Mostrando quem pode ser aqueles personagens, mostrando quem são realmente porque a ficção permite penetrar naquela realidade que o documento, muitas vezes, não consegue penetrar”, afirma a escritora Ana Miranda.
Rachel nasceu em Fortaleza, mas se identificava com a paisagem do sertão. Gostava dos costumes do sertanejo e retratou como ninguém o drama da seca. Cem anos depois de uma das maiores estiagens que o Ceará já enfrentou, é impossível andar por Quixadá sem sentir a presença forte da escritora. Por lá, tudo leva a Rachel de Queiroz.
A viagem ao sertão da escritora passa pela velha estação do trem do “Junco”, que segundo o livro, recebia muitos retirantes tentando fugir da seca e partir em busca de dias melhores longe do sertão. Atualmente, a estação leva o nome do pai da escritora que era dono dessas terra. Seguindo a linha do trem, a gente chega à fazenda que Rachel tanto amava. “A Rachel tinha a alma sertaneja, aquelas pedras, o sertão cheio de pedras. Aquela força da Rachel são aquelas pedras de Quixadá, com formas poéticas. Era a casa dela, a casa da alma dela”, conclui.
 ‘Não me deixes’
O caminho nunca mudou: uma estradinha de terra às margens da ferrovia. Em pouco tempo, chegamos à fazenda “Não me deixes”. O nome foi dado por um tio que queria que família permanecesse nas terras. A escritora recebeu a fazenda de herança. Antes de morrer, Rachel morava no Rio de Janeiro, mas nunca esqueceu do sertão. Todo ano, ela passava uma temporada em Quixadá. Ela chegou a construir um chalé ao lado da casa principal para servir como uma espécie de refúgio já que a fazenda ficava muito movimentada.
O chalé era o espaço que Rachel mais gostava porque fica em frente a uma espécie de bosque, formado por espécies típicas da caatinga. Da vista, Rachel escreveu algumas de suas obras. As fotos, os livros, os objetos continua como Rachel deixou. A fazenda é mantida por funcionários e pela família.
O sobrinho que Rachel considerava Neto, Flávio de Queiroz Salek, também mora no Rio, mas sempre que precisa vem a “Não me deixes”. Neste ano, o motivo da vinda foi a estiagem. O açude da fazenda secou. “Isso aqui era o material com que ela trabalhava, a parte da literatura dela que era ligada ao sertão. Aqui que ela conversava, ouvia as histórias, os casos que eram contados e vivia essa realidade do sertanjeo. Ela adorava”, lembra o neto.
Francisco de Assis nunca leu “O Quinze”. O agricultor conhece Rachel de Queiroz por “ouvir falar”. Mas, sem saber, segue o desejo da escritora e, mesmo diante das dificuldades, nem pensa em abandonar o sertão. “Foi onde nasci e me criei. Meus pais, todos eram agricultores. Não tenho vontade de deixar, de sair e ir para cidade não tenho vontade, não. Fui criado na agricultura e vou vou viver até quando Deus quiser, né?”.
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Cadeira de balanço da escritora Rachel de Queiroz, na fazenda ”Não me Deixes” (Foto: TV Verdes Mares/Reprodução)
do G1 CE, com informações da TV Verdes Mares

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