Carne: só para os homens (A Política Sexual da Carne - Carol J. Adams)



Carne: só para os homens
“Em nenhum lugar de um supermercado um bom funcionário pode ser
tão benéfico ou um mau funcionário pode ser tão danoso quanto na
seção de carne. Isso porque a maioria das mulheres não se considera
capaz de avaliar a qualidade da carne e frequentemente compra onde
confia no atendente.”
Hinman e Harris, The Story of Meat [A história da carne]10
Nas sociedades tecnológicas, os livros de culinária refletem a suposição
de que os homens comem carne. Um levantamento aleatório dessa
literatura revela que as seções de churrasco da maioria dos livros dirigemse
aos homens e dão destaque para a carne. As comidas recomendadas para
um “Chá do Dia das Mães” não incluem carne, mas os leitores são
advertidos de que o London Broil*deve constar no jantar do Dia dos Pais
porque “infalivelmente um jantar com carne bovina tem aceitação entre os
pais”.11 Num capítulo sobre “Hospitalidade feminina”, a orientação é servir
legumes, saladas e sopas. O New McCall's Cookbook [Novo livro de culinária
da McCall] afirma que o jantar predileto dos homens é com London Broil.
Um “jantar para senhoras” deve ser com pratos que levem queijo e
legumes, mas sem carne. Em outro livro, uma seção de cozinha intitulada
“Só para os homens” reforça a onipresença da carne na vida dos homens. O
que é “só para eles”? London Broil, carne em cubos e bifes.12
Os livros de culinária do século XX apenas confirmam o padrão histórico
constatado no século XIX, quando as famílias da classe operária inglesa não
podiam comprar carne em quantidade suficiente para todos. “Só para os
homens” aparece sempre nos cardápios dessas famílias, referindo-se à
carne. Fiel às mitologias de uma cultura (os homens precisam de carne, a
carne dá força taurina), o homem “que ganha o pão” recebia efetivamente a
carne. Os historiadores sociais relatam que ia para o marido a “parte do
leão” da carne.
E o que era para as mulheres no século XIX? Aos domingos elas podiam
ter um jantar modesto, mas satisfatório. Nos outros dias sua comida era
pão com manteiga ou gordura derretida, chá fraco, pudim, legumes e
verduras. “Nas famílias muito pobres, a esposa é provavelmente a pessoa
mais mal alimentada de todo o grupo”, observou o doutor Edward Smith no
primeiro levantamento nacional de alimentação, que, em 1863, investigou
os hábitos alimentares ingleses. O levantamento revelou que numa família
a principal diferença entre a dieta masculina e a feminina é a quantidade de
carne consumida.13 Um estudo posterior constatou que as mulheres e as
crianças de um condado rural inglês “comem as batatas e ficam olhando
para a carne”.14
Quando a pobreza forçava uma distribuição conscienciosa da carne,
quem a recebia eram os homens. Muitas mulheres enfatizavam que tinham
guardado a carne para o marido. Explicavam assim as conexões entre
consumo de carne e papel masculino: “Guardo-a para ele; ele tem de comer
carne”. Amostras do levantamento dos cardápios em famílias de
trabalhadores da zona sul de Londres “mostravam carne extra, peixe extra,
bolos extras ou uma qualidade diferenciada de carne para o homem”. As
mulheres comiam carne uma vez por semana com os filhos, enquanto o
marido consumia carne e bacon “quase diariamente”.
No início do século XX, o grupo de Londres da Sociedade Fabiana iniciou
um estudo de quatro anos registrando o orçamento diário de trinta famílias
de uma comunidade operária. Os orçamentos foram coletados e explicados
compassivamente num livro, Round about a Pound a Week [Mais ou menos
uma libra por semana]. Nesse estudo percebe-se claramente a política
sexual da carne:
Na família que gasta 10 shillings com comida, ou até menos, só é
possível um tipo de dieta, e é a dieta masculina. As crianças recebem o
que sobra. É preciso haver uma boa quantidade de carne ou pelo
menos um prato com carne, para satisfazer o desejo do pai pelo tipo de
comida que mais lhe agrada e que ele obviamente pretende comer.
Ou, de modo mais sucinto: “A carne é comprada para o homem” e o que
sobra do almoço do domingo “ele come frio no dia seguinte”.15 A pobreza
também determina quem corta a carne. Como descobriu Cicely Hamilton
durante esse mesmo período, as mulheres cortam quando sabem que não
há carne suficiente para todos.16
Em situações de abundância, as presunções sobre os papéis sexuais com
relação à carne não são tão claras. Por essa razão as semelhanças entre as
dietas das mulheres e dos homens ingleses da classe alta são muito maiores
do que as verificadas entre as mulheres da classe alta e as da classe
operária. Além disso, com a abundância de carne disponível nos Estados
Unidos, diferentemente da quantidade restrita disponível na Inglaterra,
tem havido carne suficiente para todos, exceto quando os suprimentos
eram controlados. Por exemplo, os homens negros escravizados
frequentemente recebiam 250 gramas de carne por dia, ao passo que suas
pares negras frequentemente recebiam pouco mais de 125 gramas por
dia.17 Além disso, durante as guerras do século XX, o padrão de consumo de
carne lembrou o das famílias trabalhadoras inglesas no século XIX, com
uma única diferença: o soldado — o “trabalhador” da família do país —
recebia carne; quanto aos civis, instava-se com eles para que aprendessem
a preparar seus pratos sem carne.
A Política Sexual da Carne - Carol J. Adams

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