AFRESCO - Conto de Alastair Reynolds

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Imagem do Facebook  de Solman Alkara
AFRESCO - Alastair Reynolds
No dia que os Azuis pararam de transmitir, o Zelador estava na sua ronda pelo Olho,
cantarolando à toa, entre outros maçantes robôs de manutenção. Então quando a notícia chegou,
parou imediatamente de cantarolar.
Próximo ao Olho - um vasto telescópio flutuando além da órbita de Júpiter - ficava um
gigantesco tanque esférico que uma vez fora usado para guardar água para os humanos, durante a
construção do Olho. Eles também tinham vivido dentro dele, em cabines pressurizadas cercadas
pela água e que servia como escudo contra a radiação. Agora que haviam partido - há muito
tempo partido - o tanque de cor azul meia-noite permanecera ali.
Como o Zelador tinha pensado certa vez, uma enorme e ampla tela vazia.
Até a chegada do Olho, nenhum rádio telescópio era sensível o bastante para identificar sinais
de vida inteligente em meio ao ruído de fundo cósmico. Mas quando ligado, foi um tsunami de
conhecimentos quase além da compreensão humana.
Ainda que as mensagens mostrassem que a humanidade permanecesse fundamentalmente
sozinha. Todos os sinais tinham origem em outras galáxias, vindas de distâncias que beiravam o
limite do Cosmos. Tinham sido enviadas há centenas de milhões de anos atrás, quando os
dinossauros ainda eram uma nova idéia evolucionária.
Mas havia algo mais preocupador do que a solidão. A cada vez que o Olho selecionava uma
nova transmissão, esta permanecia ativa por alguns poucos séculos, até silenciar-se de vez. O
número de contatos permanecia praticamente constante, devido ao pulular de novas espécies
que descobriam a rádio astronomia, mas estas também pareciam condenadas a durar somente um
relativo e curto tempo, de algumas centenas de anos. Por alguns poucos e gloriosos séculos,
podiam transmitir seu legado cultural aos céus, enriquecendo com conhecimento as outras
culturas ouvintes.
Mas então - sempre acontecia de descobrirem algo mais interessante e que poderia ser feito com
partículas subatômicas e então paravam de transmitir. Quase sempre sem aviso.
Isso nunca incomodou o Zelador.
Na manutenção do Olho, acabara achando que isso era quase inevitável para algumas destas
culturas. Ele absorvia então suas histórias, fascinado por suas biologias e aparências.
Cantarolava suas músicas e refletia sobre suas artes. E esperava com profunda tristeza pelo dia,
que sabia que iria chegar, o súbito urro vindo daquela parte do céu.
Moveu-se até a parte do Afresco onde estavam registrados os emissários da distante galáxia da
constelação de Escultor. O Zelador havia marcado o tanque com finas linhas de latitudes e
longitudes celestiais. Na precisa coordenada de transmissão daquela civilização, havia pintado
uma galáxia espiral muito parecida com a sua, um redemoinho branco e ocre. Tinha sido uma
das primeiras a ser pintada pelo Zelador, e apesar de ter ganho em pericia desde então - haviam
outras melhor representadas por todo o Afresco - era notável um certo charme em seu esforço ao pintá-la. Dois terços para fora do centro, o Zelador havia marcado a localização da
transmissão da cultura deste sistema solar.
Pensou neles: Os Azuis, seres tentaculares aquáticos com um sistema reprodutivo tão intrincado
que precisara de décadas de trabalho para o Zelador poder determinar quantos sexos possuíam.
Sua música era ainda mais desafiadora, soando numa primeira audição como um afogamento
sincronizado. Mas o Zelador persistira e depois de algum tempo, podia ser achado cantarolando
alguns trechos das composições mais acessíveis.
Mas agora haviam desaparecido.
Silêncio.
Com tristeza em seu coração - mas ao mesmo tempo incentivado pela execução de tal solene
tarefa, e que sabia ser preciso ser feita - o Zelador preparou com precisão o azul meia-noite que
seria necessário. Quando pronto, cuidadosamente salteou a galáxia com esquecimento, como um
mestre restaurador removendo uma deformidade. O Zelador era muito bom em seu trabalho e
quando terminado, não havia sequer sinal de que a galáxia havia existido. O Afresco estava
atualizado, mas não se passaria tanto tempo assim, até que tivesse que ser alterado novamente.
Duradoura é a arte, pensou.
E curta é a vida.

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