O ar da cidade - Por Georges Bourdoukan



O ar da cidade
É noite. O sol impiedoso que nos havia castigado durante o dia cede lugar a um frio cruel. Estamos sentados ao redor de uma fogueira alimentada por esterco e seixos. Depois de forrar o estômago com xícaras de chá e tâmaras secas, sou convidado pra um espetáculo inusitado. Um temível escorpião é capturado vivo e atirado dentro de um círculo de fogo.
Sorrindo, me explicam que o os escorpiões tem o estranho hábito d esse matar com o próprio ferrão quando aprisionados pelas chamas. Mas não foi o caso desse, que para irritação geral se recusava a confirmar a regra. Um beduíno, cansado de esperar, empurrou o infeliz o meio dos chamas. As areias do deserto, indiferentes, testemunham a aflição do aracnídeo. Percebendo o meu inconformismo ao não entender o que leva uma pessoa  a agir daquela maneira,  a observação do chefe da caravana é esclarecedora. A cidade está a um dia de viagem e logo não só o beduíno, mas todos estaremos contaminados pelo sus ares.
Olhos brilham de prazer com o sofrimento do escorpião. Prazer idêntico das crianças europeias da idade Média cujo passatempo predileto era a inocente brincadeira de queimar gatos nas noites de São João> Os miados de dor eram associados aos gritos das feiticeiras assando durante a inquisição.
“Tu castigarás de morte aqueles que usarem de sortilégios e de encantamentos”. (Êxodo, 22,18).
Como resultado desse versículo, a Espanha do cardeal Ximenes e da piedosa Isabel, aquela que patrocinou a viagem de Colombo, começou a queimar as mulheres acusadas de feitiçaria. Nem as parteiras escaparam. A cidade suíça de Genebra, governada por um bispo, queimou quinhentas mulheres em três meses. O bispado de Bamberg manda para a fogueira seiscentas pessoas e o de Wutzbourrg novecentas. Na Alemanha foram sacrificadas mais 1000.000. O parlamento da cidade francesa de Toulouse põe de uma só vez na fogueira quatrocentos corpos humanos. Ainda na França, o juiz Remy de Nancy em seu livro dedicado ao cardeal de Lorena, afirma que a justiça dele era tão boa que havia queimado oitocentas feiticeiras em dezesseis anos. Vangloriava-se de que muitas delas, temendo sua justiça, haviam se matado antes de ir a julgamento.
Voltando a Espanha, as convenções de judeus e muçulmanos não eram suficientes. Além de usar marcas em suas roupas, eram obrigados a pendurar nas portas de suas casas ou sobre os telhados pedaços de carne de porco, animal considerado impuro por suas religiões. Quando a Espanha entregou o estreito de Gibraltar aos ingleses em 1713, a cláusula X  do Tratado de Utrecht  estipulava que os ingleses de maneira alguma poderiam permitir que judeus e muçulmanos ali fixassem residências.
Filhos do patriarca Abraão, judeus e muçulmanos sempre viveram como irmãos. Hoje, instigados pelo Ocidente, se matam.
Deve ser o ar da cidade.
Georges Rourdoukan é jornalista e escritor; autor de A incrível e Fascinante história do Capitão Mouro e de O Peregrino, Editora Casa Amarela.

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