A Saudade- Por Laís Rodrigues de Oliveira


A Saudade
Ela sempre me surpreende. Volta quando menos espero. Ataca-me sem piedade. Deixa-me sem fôlego. Por favor, agora não. A loja está cheia. Os clientes estão aguardando. Vão achar que sou louca.
Uma das funcionárias preocupa-se com minha palidez repentina. Ofereço-lhe meu sorriso postiço, usado tantas vezes que nem eu sei mais a diferença entre o verdadeiro e este. Dirijo-me ao meu escritório para fugir dos olhares curiosos. Ao contrário do mundo, a vida não continuou para mim desde que ela se foi.
Abro a minúscula janela para respirar. Ela está do outro lado, em frente à porta vermelha da casa onde nossa família foi formada e destruída. Está descalça, com nada sobre a pele a não ser seu vestido favorito azul bebê rendado.
Atravessa a rua em meio ao trânsito caótico sem olhar para os lados, algo que deixaria mamãe desesperada. Não eu. Tudo o que quero agora é o seu toque. Seu sorriso. Sua voz. Assim que se aproxima da única abertura de minha parede que permite nosso contato, sinto meu coração acelerar.
Seu toque em minha bochecha traz mais do que calor à minha alma. Traz lembranças de uma época em que sua pele ainda era rosada. Seus cabelos, longos e cheios. Seu sorriso, esperançoso. Como éramos felizes em nossa ignorância!
O leve contato entre a mão de Luiza e meu rosto leva-me à minha outra vida. A um passado muito mais real para mim do que o meu presente.
Um tempo antes das infinitas esperas em corredores cinzentos com cheiro de formol e álcool, rodeada por rostos melancólicos desconhecidos. Um tempo em que receber ligações telefônicas não me dava medo. Um tempo em que planejar viagens em família não dependia da aprovação de um estranho em jaleco branco. Um tempo em que a minha irmã caçula não estava guardada em um jarro de cristal fosco em cima da lareira da sala.
Abro os olhos. Sua face não esconde sua decepção. Apesar de seus infinitos esforços para me animar, meus pensamentos sempre se voltam para os anos ruins, para a doença que a tirou de mim. Afinal de contas, Luiza sempre foi a otimista da família.
Lentamente, ela retorna até nossa antiga casa, atravessando a porta vermelha como se fosse feita de ar. Aos poucos, as vozes distantes vindas do café se tornam realidade, evocando a necessidade de minha presença no horário de pico.
Antes que me pergunte, garanto à doce funcionária que estou bem, que estava somente apertada para ir ao banheiro. Ela ri-se com a ingenuidade de quem ainda não é coberta por cicatrizes, de quem ainda não precisa mascarar sua tristeza com sorrisos postiços, de quem não sonha acordada para não enlouquecer.
Eu já fui assim um dia. Não mais. Hoje não passo de uma presa, sempre à espera do próximo ataque. E a minha predadora é paciente. Espreita, vigia, observa. Até que sua caça esteja novamente desarmada. Desprevenida. Vulnerável. Sem esperanças. Sem Luiza.

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