Crônicas campestres - Ailton e Orelhinha -Por Rafael Reys

A imagem pode conter: montanha, atividades ao ar livre e natureza

O mestre Ailton, aposentado como almoxarife do DER local, foi
contratado pela Ruralminas, a peso de ouro, para tomar conta do
almoxarifado da obra em plena mata. Cobra criada na função
entendia de tudo de trator e similares. Criterioso, trabalhava sozinho,
almoçava no batente e tirava uma soneca da sesta deitado em uma
lona por cima de um grande caixote logo na entrada do galpão.
Certa manhã recebeu meia carrada de manta de carne, que seria
requisitada pelas diversas frentes de trabalho na mata. Almoçou
uma lauta feijoada, tomou uma talagada da cachaça Santa Rosa,
fechou o pesado balcão de ferro que se movimentava correndo em
cima de trilhos, obstruindo a passagem do galpão e logo roncava na
lona.
Pescava a maior piaba curraleira!
Uma tremenda onça pintada, um exemplar macho de grande porte,
entrou sorrateiramente, comeu uma manta de carne e foi puxar um
ronco em cima de uma pilha de caixões, postos bem atrás do local
onde ele já dormia pesadamente.
Quando a fera pintalgada deu o primeiro cochilo, barriga cheia e
esquecida do velho almoxarife a sua cauda desenrolou por força da
gravidade e a ponta cabeluda foi parar no nariz do nosso herói. Foi à
maior gritaria!
Ailton, espavorecido, desmaiou tentando correr o pesado balcão da
entrada. Um peão de trecho que só anda antenado sacou o lance e
deu o alarme. Correu gente de todos os lados com armas em punho.
Foi um festival de espingardas cartucheira e revólveres de todos os
calibres e marcas. Deram o maior cerco na porta do galpão,
retiraram o corpo desfalecido do mestre almoxarife e se prepararam
para a cruel matança da pintada.
A onça, que já era velha conhecida do trecho e cheia de
malandragem e outros ritos de passagem, deu o maior esturro da
paróquia seguido de dois estrondosos espirros, com os olhos
vermelhos em chama e pulou no meio da patota armada.
Abriu gente na carreira por todos os lados. Foi um festival de dejetos
escorrendo pernas abaixo, uma cena hilária, grotesca e laxativa!
Teve peão que passou uma semana inteira sentindo cólicas
estomacais e vários ficaram com sintomas de impotência ocasional.
E não foi dado um tiro, se quer.
Já Geraldo Orelhinha nascido em Mirabela nos idos de 1945, Com
nove anos de idade, quando trabalhava na fazenda Água Limpa, de
Nilton Figueiredo como entregador de almoço para os peões que
desmatavam e faziam manga.
Biótipo pequeno, corpo seco e esguio, cara de japonês gripado,
calça curta com suspensórios, pés no chão, seguia a sua via crucis
na trilha, com a gamela de comida apoiada na rodilha, posta em
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cima da cabeça. Penduradas no currião de embira, a cabaça de
água e a rapadura para sobremesa.
Numa curva na trilha na mata, deparou-se com uma onça Maçaroca,
que sentada nos quartos traseiros rosnou de satisfação ao ver o seu
almoço, já que ferida na perna, e impossibilitada de caçar
quadrúpede caçava bípede humanos. No susto, Geraldo que sempre
foi ligeiro e raçudo, meteu a gamela nas fuças da pintada.
Ato seguinte, a cabaça de água na cabeça da mesma fera
pintalgada que deu uns urros de espanto e de estímulo com os quais
gramou o beco de volta. A onça, assustada com a reação da vítima,
deu no pé, pois, já se escutava rumores e gritos da peãozada que
vinha no encalço da bicha (do mato).
Aos 15 anos já bebia que nem gambá e foi procurar serviço no
município de São João da Ponte. Logo se apaixonou pela filha do
patrão e como tinha fama de cachaceiro e valentão, a família negou
a licença para o namoro. Mordido pela mosca do amor, Geraldo
roubou a donzela e fugiu a pé pelo mato levando a sua adorada.
Passou tempo escondido em um barraco de taipa, onde hoje é o
bairro Renascença. Como o tempo é o maior devorador de todos os
males, a família perdoou e veio fazer uma visita de surpresa.
Estupefatos, souberam que a roubada havia botado chifre pesado no
Geraldo e fugido com um vaqueiro bonitão.
Revoltada com o acontecido, a família contratou um matador de
aluguel para dar cabo da vida do famigerado Geraldo, que na época
ainda não tinha o apelido de Orelhinha. O pistoleiro que veio era o
maior 171.
Malandro escolado, quando frente a frente com o Geraldo, além de
contar o seu contrato propôs rachar a recompensa.
Acordaram as partes e o pistoleiro, para comprovação do crime e
recebimento do pagamento prometido, anestesiou com lança
perfume a orelha esquerda, de Geraldo, a que tinha um defeito
identificativo e cortou um bom pedaço com faca de sapateiro. Assim
botou a família da fujona para trás.
Feito o racha da grana, Geraldo mudou-se para Goiás com armas e
bagagem e com os bolsos abarrufados do vil metal.
Testemunhas dessas histórias o Zim de Catuní, com bar montado na
Avenida São Judas Tadeu e o Wando, da venda na Rua 12, ambos
no bairro Santo Inácio.
Resta citar que os personagens relatados, hoje vivendo em paz
entre si, são leitores de minhas crônicas.

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