A Estante - Ferreira Gullar

A ESTANTE - FERREIRA GULLAR

Naquele novo apartamento da rua Visconde de Pirajá pela primeira vez teria um escritório para trabalhar. Não era um cômodomuito grande, mas dava para armar ali a minha tenda de reflexões e leitura: uma escrivaninha, um sofá e os livros. Na parede daesquerda ficaria a grande e sonhada estante onde caberiam todos os meus livros. Tratei de encomendá-la a seu Joaquim, ummarceneiro que tinha oficina na rua Garcia D’Ávila comBarão da Torre.O apartamento não ficava tão perto da oficina. Era quase em frente ao prédio onde morava Mário Pedrosa, entre a Farme deAmoedo e a antiga Montenegro, hoje Vinicius de Moraes. Estava ali havia uma semana e nemdecorara ainda o número do prédio.Tanto que, quando seu Joaquim, ao preencher a nota de encomenda, perguntou-me onde seria entregue a estante, tive ummomento de hesitação. Mas foi só um momento. Pensei rápido: “ Se o prédio do Mário é 228, o meu, que fica quase em frente,deve ser 227”. Mas lembrei-me de que, ao ir ali pela primeira vez, observara que, apesar de ficar emfrente ao do Mário, havia umadiferença na numeração.– Visconde de Pirajá, 127 – respondi, e seu Joaquimdesenhou o endereço na nota.– Tudo bem,seu Ferreira. Dentro de ummês estará lá sua estante.– Ummês,seu Joaquim! Tudo isso? Veja se reduz esse prazo.– A estante é grande, dá muito trabalho... Digamos, três semanas.Ferreira Gullar. A estante. In: A estranha vida banal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989 (com adaptações).

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