A AGRICULTURA MODERNA E O MITO DA PRODUTIVIDADE Fábio Kessler Dal Soglio

A AGRICULTURA MODERNA E O MITO DA PRODUTIVIDADE Fábio Kessler Dal Soglio INTRODUÇÃO Na entrada do século XXI, o entendimento de que precisamos buscar uma convivência mais sustentável, pensando na qualidade de vida das futuras gerações, da espécie humana e das demais espécies que conosco compartilham o planeta Terra, passou a ser quase uma unanimidade, não obstante a multiplicidade de visões que o conceito de sustentabilidade abriga. No entanto, embora cientes dos argumentos ambientais e sociais que apontam para a urgência de se buscar a sustentabilidade, os setores da economia associados ao modelo da modernização da agricultura, dependente de insumos e de capital, resistem às mudanças que se impõem para que a agricultura se torne sustentável. Sustentam eles, de forma repetitiva, e quantas vezes dogmática e apelativa, não existir alternativa para a produção de alimentos em quantidade suficiente para as necessidades da população mundial e julgam imprescindível alcançar maiores níveis de produtividade na agricultura mediante a adoção generalizada do modelo vigente, mesmo em regiões que ainda hoje têm na agricultura familiar e tradicional sua principal forma de produção alimentar. Como esses setores controlam muitos investimentos e monopolizam os principais instrumentos de distribuição de alimentos – e por isso são poderosos –, muitos governos, empresas, cientistas, técnicos, e até agricultores aceitam e repisam esse argumento de forma corriqueira, como se se tratasse de uma verdade incontestável. Continuam a argumentar que será somente com inovações tecnológicas ainda mais “modernas” – e os exemplos são a utilização de organismos geneticamente modificados (OGMs) e a agricultura de precisão – que teremos condições de aumentar em grande escala a produtividade da agricultura e, teoricamente, de acabar com a fome. Ou seja, defendem que é mister fazer mais aquilo que nos leva a uma situação de insustentabilidade para solucionarmos o problema crônico da fome. EAD .1...2.. Analisando, porém, o problema da fome com uma visão mais aguda da realidade, e desvendando as inconsistências camufladas por detrás dessas certezas, percebemos estar ouvindo a repetição de dogmas que se incrustaram no subconsciente da sociedade, e que servem para favorecer um pequeno mas poderoso grupo. Essa grei garante, assim, seus lucros e a manutenção de seu poder sobre grande parte da humanidade. Entrementes, não só o planeta Terra sofre com o prejuízo ambiental que tal modelo de agricultura causa em praticamente todos os ecossistemas, como sofre toda a sociedade com a ampliação da insegurança alimentar, com os malefícios à saúde de todas as espécies planetárias e com o êxodo rural a que estão sujeitas as comunidades agrícolas. Estas vão aos poucos perdendo suas identidades e, desalojadas, são obrigadas a abandonar o mundo rural e a agricultura e a buscar outras alternativas de vida. Veem-se tão graves consequências – chamadas de “externalidades” do modelo – persistirem, e até se agravarem em muitas partes do planeta, mesmo após décadas de falsas promessas de que a modernização da agricultura poderia torná-la mais “verde”, menos prejudicial ao desenvolvimento rural, à saúde e ao planeta. Na verdade, esse dogma é falso, é um verdadeiro “mito”, e temos razões mais que suficientes para derrubá-lo. As informações que ele passa devem ser analisadas pela sociedade, a quem cabe escolher caminhos para um futuro melhor para todos, com a esperança de podermos atingir um desenvolvimento mais justo e sustentável. É preciso superar o “mito da produtividade”, construir (ou reconstruir) uma agricultura localmente adaptada, reconhecer os limites ecológicos, ouvir as demandas da sociedade por alimentos e preservar as culturas regionais. Em suma, construir (ou reconstruir) uma agricultura que garanta a soberania alimentar em todas as regiões do globo e que sirva de suporte aos modelos de desenvolvimento sustentável. Neste texto, procuraremos demonstrar que a superação da crise alimentar e de sustentabilidade da agricultura não depende da ampliação do modelo de modernização, via incremento da geração de novas tecnologias e aumento da produtividade, pois diferentes padrões de agricultura de base ecológica podem responder, hoje e no futuro, às necessidades de produção de alimentos para a população humana. Focalizaremos, sim, os problemas associados ao modelo industrial da agricultura moderna, a crise de soberania alimentar do planeta e a possibilidade de combinar produção de alimentos e sustentabilidade social e ambiental. Fonte:Desenvolvimento, agricultura e sustentabilidade Fábio Dal Soglio Rumi Regina Kubo (orgs.)

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