MAIRE-MONAN E OS TRÊS DILÚVIOS AS 100 MELHORES LENDAS DO FOLCLORE BRASILEIRO)


MAIRE-MONAN E OS TRÊS DILÚVIOS
Os tupinambás creem que houve, nos primórdios do tempo, um ser
chamado Monan. Segundo alguns etnógrafos, ele podia não ser exatamente um
deus, mas aquilo que se convencionou chamar de um “herói civilizador”.
Deus ou não, o fato é que Monan criou os céus e a Terra, e também os
animais. Ele viveu entre os homens, num clima de cordialidade e harmonia, até o
dia em que eles deixaram de ser justos e bons. Então, Monan investiu-se de um
furor divino e mandou um dilúvio de fogo sobre a Terra.
Até ali a Terra tinha sido um lugar plano. Depois do fogo, a superfície do
planeta tornou-se enrugada como um papel queimado, cheia de saliências e
sulcos que os homens, mais adiante, chamariam de montanhas e abismos.
Desse apocalipse indígena sobreviveu um único homem, Irin-magé, que
foi morar no céu. Ali, em vez de conformar-se com o papel de favorito dos céus,
ele preferiu converter-se em defensor obstinado da humanidade, conseguindo,
após muitas súplicas, amolecer o coração de Monan.
Segundo Irin-magé, a terra não poderia ficar do jeito que estava, arrasada
e sem habitantes.
– Está bem, repovoarei aquele lugar amaldiçoado! – disse Monan, afinal.
A história, como vemos, é tão velha quanto o mundo: um ser superior cria
uma raça e logo depois a extermina, tomando, porém, o cuidado de poupar um
ou mais exemplares dela, a fim de recomeçar tudo outra vez.
E foi exatamente o que aconteceu: Monan mandou um dilúvio à Terra para
apagar o fogo (aqui o dilúvio é reparador) e a tornou novamente habitável,
autorizando o seu repovoamento.
Irin-magé foi encarregado de repovoar a Terra com o auxílio de uma
mulher criada especialmente para isto, e desta união surgiu outro personagem
mítico fundamental da mitologia tupinambá: Maire-monan.
Esse Maire-monan tinha poderes semelhantes aos do primeiro Monan, e foi
graças a isto que pôde criar uma série de outros seres – os animais –, espalhandoos
depois sobre a Terra.
Apesar de ser uma espécie de monge e gostar de viver longe das pessoas,
ele estava sempre cercado por uma corte de admiradores e de pedintes. Ele
também tinha o dom de se metamorfosear em criança. Quando o tempo estava
muito seco e as colheitas tornavam-se escassas, bastava dar umas palmadas na
criança-mágica e a chuva voltava a descer copiosamente dos céus. Além disso,
Maire-monan fez muitas outras coisas úteis para a humanidade, ensinando-lhe o
plantio da mandioca e de outros alimentos, além de autorizar o uso do fogo, que
até então estava oculto nas espáduas da preguiça.
Um dia, porém, a humanidade começou a murmurar.
– Este Maire-monan é um feiticeiro! – dizia o cochicho intenso das ocas. –
Assim como criou vegetais e animais, esse bruxo há de criar monstros e Tupã
sabe o que mais!
Então, certo dia, os homens decidiram aprontar uma armadilha para esse
novo semideus. Maire-monan foi convidado para uma festa, na qual lhe foram
feitos três desafios.
– Bela maneira de um anfitrião receber um convidado! – disse Mairemonan,
desconfiado.
– É simples, na verdade – disse o chefe dos conspiradores. – Você só terá
de transpor, sem queimar-se, estas três fogueiras. Para um ser como você, isso
deve ser muito fácil!
Instigado pelos desafiantes, e talvez um pouco por sua própria vaidade,
Maire-monan acabou aceitando o desafio.
– Muito bem, vamos a isso! – disse ele, querendo pôr logo um fim à
comédia.
Maire-monan passou incólume pela primeira fogueira, mas na segunda a
coisa foi diferente: tão logo pisou nela, grandes labaredas o envolveram. Diante
dos olhos de todos os índios, Maire-monan foi consumido pelas chamas, e sua
cabeça explodiu. Os estilhaços do seu cérebro subiram aos céus, dando origem
aos raios e aos trovões que são o principal atributo de Tupã, o deus tonante dos
tupinambás que os jesuítas, ao chegarem ao Brasil, converteram por conta
própria no Deus das sagradas escrituras.
Desses raios e trovões originou-se um segundo dilúvio, desta vez arrasador.
No fim de tudo, porém, as nuvens se desfizeram e por detrás delas surgiu,
brilhando, uma estrela resplandecente, que era tudo quanto restara do corpo de
Maire-monan, ascendido aos céus.
* * *
Depois que o mundo se recompôs de mais um cataclismo, o tempo passou
e vieram à Terra dois descendentes de Maire-monan: eles eram filhos de um
certo Sommay , e se chamavam Tamendonare e Ariconte.
Como normalmente acontece nas lendas e na vida real, a rivalidade cedo
se estabeleceu entre os dois irmãos, e não tardou para que a fogueira da discórdia
acirrasse os ânimos na tribo onde viviam.
Tamendonare era bonzinho e pacífico, pai de família exemplar, enquanto
Ariconte era amante da guerra e tinha o coração cheio de inveja. Seu sonho era
reduzir todos os índios, inclusive seu irmão, à condição de escravos.
Depois de diversos incidentes, aconteceu um dia de Ariconte invadir a
choça de seu irmão e lançar sobre o chão um troféu de guerra.
Tamendonare podia ser bom, mas sua bondade não ia ao extremo de
suportar uma desfeita dessas. Erguendo-se, o irmão afrontado golpeou o chão
com o pé e logo começou a brotar da rachadura um fino veio de água.
Ao ver aquela risquinha inofensiva de água brotar do solo, Ariconte pôs-se
a rir debochadamente.
Acontece que a risquinha rapidamente converteu-se num jorro d’água, e
num instante o chão sob os pés dos dois, bem como os de toda a tribo, rachou-se
como a casca de um ovo, deixando subir à tona um verdadeiro mar impetuoso.
Aterrorizado, o irmão perverso correu com sua esposa até um jenipapeiro,
e ambos começaram a escalá-lo como dois macacos. Tamendonare fez o
mesmo e, depois de tomar a esposa pela mão, subiu com ela numa pindoba (uma
espécie de coqueiro).
E assim permaneceram os dois casais, cada qual trepado no topo da sua
árvore, enquanto as águas cobriam pela terceira vez o mundo – ou, pelo menos, a
aldeia deles.
Quando as águas baixaram, os dois casais desceram à Terra e repovoaram
outra vez o mundo. De Tamendonare se originou a tribo dos tupinambás, e de
Ariconte brotaram os Temininó.

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