Morte de Lampião: conspirações e os despojos de guerra - Por João Costa

 


Morte de Lampião: conspirações e os despojos de guerra

Por João Costa

- Coronel, quem matou mesmo Lampião? 

- O dinheiro dele!

Esta foi a resposta do coronel José Lucena, um dos mais destacados combatentes do cangaço, dada a um estudante que o interpelou, um ano depois dos acontecimentos em Angico, numa rua de Maceió. E se o “rei do cangaço” carregava um tesouro, cui bono?

Não há narrativas claras sobre os despojos de guerra e seu destino. O tenente João Bezerra supostamente teve acesso a esse “tesouro”?  É o que se entende dos relatos de volantes que participaram da grande caçada ao “rei do cangaço”. 

“Até os espinhos da caatinga sabiam que o soldado volante, especialmente nos anos 1930, tinha no saque a cangaceiro morto a versão militar do sonho paisano de achar uma botija”, escreve Frederico Pernambucano de Mello, em “Apagando Lampião”, pag. 208.

1938 a caçada final – O coronel Lucena, o mesmo que assumira as responsabilidades pelo assassinato do pai de Virgulino Ferreira pela volante de Benedito Caiçara, em 1921, estava agora no comando-geral das tropas alagoanas de linha de frente de combate ao cangaço; ele, que depois da morte de José Ferreira, jamais deixara a capital para se embrenhar pelas caatingas.

O coronel Lucena amargou 16 anos de fracassos sucessivos de suas campanhas contra Lampião desde tempos de tenente e, no início de 1938, havia chegada a hora de dar a senha final, numa reunião militar que deflagrou a campanha que acabou com o cangaço.

“Quero a cabeça de Lampião dentro de 15 dias”, teria dito Lucena numa reunião crucial realizada em Mata Grande. 

A ditadura de Getúlio Vargas botava pressão nos governadores que, em consequência, acochavam suas polícias; a imprensa não dava trégua e já não escondia conluios de delegados, sub-delegados e cabecilhas de volantes no “corpo mole” de todos no combate ao famoso bandoleiro que dia sim, e no outro também, era destaque nas manchetes dos jornais do Rio de Janeiro e, até, no New York Times.  

“Estou cansado de ser tapeado por alguns companheiros de farda”, resmungou coronel Lucena a outros oficiais, uma vez que circulava rumores que o bandoleiro estava de retirada.

Fazendeiros, coiteiros, reverberavam rumores que Lampião estava batendo em retirada para longe das margens do Rio São Francisco, isso por conta dos recorrentes bilhetes de Lampião pedindo dinheiro e munição nova. 

Por outro lado alguns arranjos estranhos estavam ocorrendo na Polícia. Em “Lampião – Memórias de um Soldado de Volante”, Vol. II, escreve o nazareno João Gomes de Lira:

“Alguns dias antes do 28 de julho, o sargento Odilon Flor emprestou a metralhadora Bergman que portava em sua volante ao tenente João Bezerra”; Odilon fez esse gesto e ficou esperando o chamado do tenente Bezerra, mas o que se viu foi tudo o contrário”, se queixou depois o nazareno. 

Só no dia seguinte ao ataque de Angico os nazarenos ficaram sabendo dos acontecimentos e foram chamados a localidade de Pedra de Delmiro onde, com muita curiosidade o povo esperava a chegada das cabeças cortadas. 

Os nazarenos estavam incrédulos, eles que formavam as volantes mais arrojadas no combate ao cangaço, agora são chamados para identificar cabeças cortadas. Uma dura ironia do destino.

Os sargentos Odilon Flor, Davi Jurubeba, Euclides Flor e o soldado Cirilo de Souza, ao serem avistados pelo tenente Bezerra, em Pedra de Belmiro, logo bradou.

-“Vão chegando três homens de Nazaré que conhecem bem Lampião. Nasceram e se criaram juntos. Eles vão mostrar destas cabeças qual é a de Lampião”. Logo a reconheceram. Mas, o butim? 

Em Pedra de Belmiro, os nazarenos são confrontados com a dura realidade

-“Narra o sargento Davi Jurubeba que viu um soldado que havia feito parte da diligência, chamar o tenente João Bezerra para fazerem o dividendo, que já estava na hora. O tenente Bezerra respondeu ao soldado que tivesse calma, que iria arranjar uma coisa melhor para ele”, escreve João Lira.

E mais:

-“Com esta resposta, o soldado demonstrando grande raiva e gestos indisciplináveis, responde que não queria saber de conversa, que o tenente Bezerra não tivesse com “tapiação”, pois o que queria era o dele, e que se o tenente pensava em lhe promover a cabo, podia desistir por completo, que uma polícia como era a de Alagoas, não queria ser nem coronel comandante da Força”. Irado, o soldado jogou o fuzil nos pés do João Bezerra.

Jurubeba vendo aquilo, chamou o soldado num particular para saber suas razões e o soldado “deu o serviço”. 

- Disse que ele havia, em Angico, pegado a bolsa de Maria Bonita e o tenente Bezerra a de Lampião; como o dinheiro de Lampião era guardado na bolsa de Maria Bonita, o tenente pediu ao soldado para guardar a bolsa e que depois resolveria”. Confiando no superior, o soldado aquiesceu. 

O soldado disse a Jurubeba que ele também havia “saqueado a bolsa de Luiz Pedro, e se apropriado de quarenta e cinco contos de réis, que com apenas cinco compraria uma fazenda em Chorrochó, com os demais quarenta, cobraria de cabeças de boi”, relata João Gomes de Lira em suas memórias.

Reza a lenda que, no momento em que foi morto, somente no chapéu, Lampião carregava 70 peças de ouro, uns sustentam que junto ao cadáver de Lampião foi encontrado cinco quilos de ouro e uma quantia em dinheiro que, hoje, equivaleria a R$ 600 mil. Nada disso consta no relatório oficial do tenente João Bezerra aos seus superiores.

O que disseram os volantes depois de Angico na verdade formam um quebra-cabeça com verdades, meias verdades e muitas mentiras. Se há controvérsias sobre o destino da fortuna de Lampião, muito mais há sobre quem realmente o matou.

Fonte: Apagando Lampião, de Frederico Pernambucano de Mello

Lampião – Memórias de um Soldado de Volante Vol. 1 e 2, de João Gomes de Lira

Foto 1.Alguns comandantes do cerco contra os cangaceiros: Coronel Theodoro, Coronel Lucena, Cap. João Bezerra e o Tenente Ferreira.

F2. Volante de João Bezerra.

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