Passados alguns anos voltei a ouvir Maria Bethânia ao vivo e a cores, uma experiência verdadeiramente fenomenológica – como diriam alguns
filósofos; que transcendeu as fronteiras da música, pois, artisticamente, levou-nos a mergulhar no que de mais belo tem na cultura brasileira. Ao entoar canções icónicas como “Um índio”, “Mulheres Brasileiras”, “Cálice” entre muitas outras, Maria Bethânia transportou-
nos para um universo artístico que presentificava um pouco do Brasil em Portugal. A singularidade de Maria Bethânia, com a sua presença marcante, torna-se visível quando vemo-la adentrar ao palco (parece ser sempre a primeira vez). O raro talento ultrapassa o poder
penetrante da sua voz, que preenche todos os espaços da sala, mas na íntima atmosfera – “aura artística” benjaminiana – criada entre os artistas e o público. A filha de “dona Canô” e os seus exímios músicos procuravam envolver a plateia numa teia de afetos, memórias, reflexões, êxtase, desejos, fala que houve agressão por parte do filho do ministro para esse grupo.
Ao estimular a violência e a falta de paciência de uma forma generalizada, alavancar o uso de armas, o governo Bolsonaro utiliza táticas da extrema direita de forma coordenada aos grupos fascistas mundiais. O número de atos violentos da extrema-direita na Alemanha aumentou 3,8% em 2022, anunciou a ministra do Interior, Nancy Faeser. Em Charlottesville, nos Estados Unidos, ocorreu um protesto de supremacistas brancos contra a retirada de uma estátua do general confederado Robert E. Lee. Grupos de neofascistas e supremacistas brancos perdeu o controle no país.
No Brasil, no período da ditadura, os mesmos agentes ligados a “pátria, família e propriedade”, lutavam contra o inimigo invisível do comunismo, utilizando o que fosse para que seus ideais fossem mantidos durante o regime militar. Terroristas civis de direita temiam que com a abertura política, seriam punidos pelos crimes que praticaram na ditadura, embora não tivessem laços maiores ou espaços de poder
dentro da ditadura. Mas também se expunham cada vez mais, colocando bilhetes assumindo autoria de atentados.
Tinham pensamentos misturando elementos da Guerra Fria, a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) e a doutrina de guerra revolucionária. Os terroristas de extrema direita criticavam “falsos” militares que estavam agindo contra os “valores cívicos” e os “interesses da nação”. O mesmo que temos nos dias de hoje, sob nova casca.
Norberto Bobbio fala que: A esquerda tenderia a atenuar as diferenças, já a direita, a acentuá-las. Para uma, as desigualdades sociais
são resolvidas, enquanto, para a outra, não. A esquerda é inclusiva, e, a direita é exclusionista. A criminalização de professores que são taxados de doutrinadores leva a um dos alvos dessa extrema direita, que quer retomar o discurso sob sua ótica, como povos antigos faziam sob seus dominados.
Hoje, a estatística nos mostram que pelo menos mais de treze ataques em escolas no Brasil desde 2011. Estamos realmente vivendo uma pandemia de ódio disseminado por grupos de extrema direita. Os ataques estimulados de Bolsonaro contra as urnas, mostrando que o inimigo são os ministros do STF que não votam a favor do ex-presidente, provocam comentários nas redes sociais de extremistas com discursos rasos
e apaixonados. A linha que divide a ideologia e os atos violentos diluiu-se. saudades e […]. Numa autenticidade inigualável, Maria Bethânia nos ensina como devemos degustar uma poesia e não simplesmente cantarolar palavras.
Essa interprete da brasilidade não opta pelo caminho mais fácil do “escapismo”
lukacsiano, ao trazer por meio de canções questões urgentes e relevante para o nosso tempo como: a intensificação da crise climática, a destruição da Amazônia, o genocídio indígena,
bem como a destruição das culturas ameríndias pelo colonialismo. Ao interpretar “Um índio”, por exemplo, Maria Bethânia nos convidou a refletir sobre a necessidade de preservar tais culturas indígenas, no sentido de valorizarmos e respeitarmos essas raízes tão fundamentais
na formação social e histórica do Brasil. Ainda, o papel de vanguarda que povos originários brasileiros têm cumprindo na luta e resistência na preservação da Amazónia e dos biomas nacionais – que o agronegócio brasileiro tem destruído com muita intensidade. Um “Grito de alerta”!
Imagino que ao cantar “Cálice”, canção de Chico Buarque, a irmã de Caetano Veloso, procura expressar artisticamente o geist e as memórias de tempos (nem tão distante) sombrios da ditadura empresarial-militar brasileira, que o bolsonarismo reavivou com força na sociedade brasileira. Grifo a importância que os artistas de massas têm na preservação da memória histórica daqueles/as que resistiram e lutaram contra as ditaduras, as opressões, expropriações e todas as formas de injustiça, que muitas vezes são secundarizadas ou até mesmo apagadas
pela historiografia hegemônica. Walter Benjamin já alertava para a importância de fazer “história a contrpelo”.
Poderia continuar a dissertar analiticamente sobre outros aspetos, mas seria contraproducente, pois pretendo registar nesse espaço em forma de memórias os momentos de alegria e profunda reflexão para esse indivíduo que vos escreve. O impacto das diversas mensagens entoadas por Maria Bethânia no seu concerto foi avassalador, era percetível e conseguia-se sentir ligação íntima e intensa entre os instrumentistas, a
cantora e o público ativo, uma mistura de admiração, êxtase, alegria e inquietação.
A sua voz ecoou como um grito de resistência e esperança! Essa crónica ficaria incompleta se não salientasse o alto gabarito musical
dos instrumentistas, mas especialmente para o guitarrista (violonista) da jovem geração brasileira João Camarero e a conhecida percussionista Lan Lanh.
A perfazer, um verdadeiro espetáculo que ecoará por muito tempo na memória daqueles e aquelas que experienciaram esse aprazível momento.
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