BELMONTE OUTUBRO DE 1922, SANGUE NA FESTA DO CORAÇÃO DE JESUS Por: Valdir José Nogueira - pesquisador / escritor

 BELMONTE OUTUBRO DE 1922, SANGUE NA FESTA DO CORAÇÃO DE JESUS

Por: Valdir José Nogueira - pesquisador / escritor
Trechos do depoimento do Padre José Kehrle durante o inquérito procedido pela justiça contra Ioiô Maroto, Lampião e outros em decorrência ao ataque à cidade de Belmonte em 20 de outubro de 1922 que vitimou o coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz:
“E logo compareceu neste juízo em comissão o reverendíssimo Padre José Kehrle com trinta e sete anos, natural de Rheinstetten em Alemanha. Prestou o compromisso legal na forma da lei. Perguntado sobre os acontecimentos em 1922 que deram lugar a morte do coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, disse:
Que sabe de ter ouvido a Ioiô Maroto que este se indispusera com Gonzaga depois da passagem de uma força cearense comandada pelo tenente Montenegro na casa de Ioiô, onde a mesma se portou com todos os desmandos chegando a serem diversas pessoas espancadas entre as quais o próprio Ioiô Maroto, sendo também desrespeitada uma filha moça a quem um dos soldados quis até levantar as vestes; que Ioiô com o ocorrido se julgava profundamente afrontado e desmoralizado e atribuía a Gonzaga a influência sobre o esperto tenente Montenegro a que este obedecia praticando em sua casa os atos reprováveis ali verificados; que Ioiô Maroto soube mesmo através do referido tenente que teria sido Gonzaga quem lhe dera uma lista das pessoas que deveriam apanhar ou sofrer vexames por parte da mencionada força policial; que o depoente sempre procurou dissuadir Ioiô Maroto dessas idéias de que o mesmo se achava convencido; que Gonzaga devido a essa inimizade que sobreviera entre ele e Ioiô chegou a pretender retirar-se de Belmonte tendo ido para a Bahia em busca de um lugar onde melhor pudesse se estabelecer; que o depoente vindo de Vila Bela para Belmonte, mas Gonzaga achando-se fora, veio aqui saber da acusação de Ioiô Maroto, tendo ocasião de ouvir de Dona Martina, mulher de Gonzaga de carecer em absoluto de fundamento a intervenção do mesmo Gonzaga no fato de que se queixava Ioiô Maroto; que na volta de Gonzaga da Bahia o depoente se entendeu com ele sobre o referido fato ouvindo então mais claramente ser de todo modo falsa a imputação que lhe fazia o seu atual inimigo; que o mesmo teve ocasião de insistir na paz entre eles, porém, que Ioiô Maroto apesar de tudo persistia na sua convicção de ter sido desmoralizado por Gonzaga e que havia de vingar-se, que na véspera do fato criminoso veio a esta cidade (Belmonte) onde se festejava a novena do Coração de Jesus tendo estado com Gonzaga na Casa Paroquial entre outras pessoas, ao qual o interpelou sobre a situação em que se encontrava com Ioiô Maroto, respondendo Gonzaga que estava tudo terminado pois que um irmão de Maroto por nome Antônio Maroto já entrava com ele em negociações tendo emprestado ao mesmo a quantia de três contos de réis e cedido o vapor para serviço dele e Ioiô e que também já dispensara o seu pessoal que por prevenção trazia armado; que pelas quatro horas da manhã o depoente ouviu uma primeira descarga que lhe pareceu ser tiros de rifles, dizendo-lhe porém o seu sacristão que dormia em um quarto vizinho, que deviam ser fogos para a Festa do Coração de Jesus, cuja noite do dia seguinte pertencia justamente ao Coronel Gonzaga o qual fizera vir os ditos fogos do Cariri; que seguiu-se nova descarga então o depoente abriu a janela procurando saber o que havia, tendo então reconhecido que alguma coisa de anormal estava se passando; que nada viu na rua, ouvindo para as bandas do cemitério gritos de mulher; que pouco tempo depois, continuando o tiroteio, viu que partia tiros da Casa de Gonzaga; que com quinze minutos depois dos primeiros sinais do ataque a polícia comandada pelo sargento Sinhozinho Alencar entrava em ação; que o referido sargento se aproximou da Casa Paroquial e dali atirava em direção ao açougue; que um tiro de fuzil passou roçando o depoente, tendo o mesmo resolvido entrar e recolher-se na sua residência; que de sete para oito horas cessou o ataque retirando-se os bandidos; que o depoente dos fundos de sua casa viu saírem correndo para o regresso, devendo ser o número de quarenta mais ou menos; então quando o depoente saiu à rua veio em companhia de outras pessoas à residência do coronel Gonzaga afim de se verificar o que ali havia passado; que entraram na casa de portas e janelas arrebentadas, tendo encontrado em um dos quartos junto ao salão o corpo do inditoso coronel Gonzaga já sem vida apresentando um grande ferimento nas costas para o peito, além de outros; que na casa onde tudo fora quebrado e despojado, foram encontrar noutro quarto fechado à chave a família do mesmo Gonzaga; que foi Ioiô Maroto que dirigiu o ataque contra Gonzaga, trazendo consigo Lampião com 22 homens conforme ao depoente quinze dias depois, referiu o próprio Lampião, e o resto se compondo de parentes e gentes do mesmo Ioiô Maroto; que Lampião também disse ao depoente ter sido 46 o número formado dos atacantes da casa do coronel Gonzaga sob a direção do próprio Ioiô Maroto, assim disse também que o tiro de fuzil que quase atingiu o depoente quando o mesmo se achava na janela da Casa Paroquial, procurando saber o que ocorria na cidade, lhe fora desfechado pelo cangaceiro Verêda; (...) Que Lampião disse ao depoente, sendo ao mesmo perguntado que o preço do auxílio que prestou no serviço de Ioiô contra Gonzaga era o saque na loja deste, que no entanto não se realizou pela defesa dos irmãos Gomes de Sá.”
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