O SEGREDO DE SIQUEIRA DE MENEZES - Thiago Fragata*

 


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Euclides da Cunha publicou os Sertões em 1902. Além da originalidade científica apresentada ele

denunciou os horrores da Guerra de Canudos (1896/1897); sem medo, o militar republicano denunciou

o ônus da ação republicana: a degola, a popular "charqueada", matança indiscriminada de centenas de

jagunços rendidos, mulheres, velhos e crianças. Por isso o jornalista fluminense denominou sua obra de

"livro vingador". Até 1950 quase meio século de sua publicação a obra foi referência obrigatória para entender a guerra e sua órbita. Daí aparece José Calazans Brandão da Silva, o sergipano que revolucionou a clássica interpretação euclidiana através da oralidade dos sobreviventes e do folclore sertanejo; propondo, formulando uma nova leitura "da maior crise do misticismo da nacionalidade". (SILVA, 1950, p. 55).

Dentre os inúmeros casos em que seus estudos complementam o clássico euclidianista apresentamos o

segredo de Siqueira de Menezes.

Os Sertões apresentam o engenheiro Siqueira de Menezes como um dos heróis republicanos. O sergipano nascido em São Cristóvão (1852), teria sido "o olhar da expedição" vitoriosa; da 4ª. Expedição uma vez que as 3 campanhas anteriores foram dizimadas pelos hábeis guerrilheiros do Belo Monte. Sem dúvida, "o jagunço alourado" foi o sergipano laureado e de maior prestígio

que retornou de Canudos, sorte que faltou para o Capitão Salomão da Rocha, o tenente Odilon Coriolano, o alferes Antônio Wanderley e outros mártires. Mas o correspondente d'O Estado de São Paulo, Euclides da Cunha, faz mistério sobre a naturalidade e família do ilustre sergipano. Transcrevemos a passagem reticente: "oriundo de família do norte... tinha próximos colaterais dentre os conselheiristas". (CUNHA, 1946, 381).

Certamente, Siqueira de Menezes solicitou a omissão quanto a sua origem ao amigo Euclides da Cunha, a fim de evitar mal-entendidos. Como os historiadores assemelham-se aos detetives no cotejo de pistas para desvendar enigmas, trabalhamos no caso.

Sergipe esteve imerso na Guerra de Canudos desde o início. Assim tantos as peregrinações do beato Antônio Conselheiro, quanto a passagem da Coluna Savaget (partícipe da 4ª. expedição) carecem de análise rigorosa e mapeamento em nossas publicações didáticas.

Portanto, a participação de Sergipe deve ser reavaliada; seja a agregação das populações sertanejas

no séquito do beato cearense, seja a participação do 26º Batalhão da Polícia Militar do nosso Estado.

O caso começa justamente na passagem de Antônio Conselheiro por Sergipe. O jornal O Rabudo, publicado em Estância, edição de 22/11/1874 informa que o místico Santo Antônio dos mares ou ainda Bom Jesus conselheiro esteve a bem 6 meses na província convertendo fiéis de todas as matizes sociais a fim de acompanha-lo em sua jornada pelos Sertões. O místico esteve em Sergipe pelo menos 2 vezes. Dentre as cidades visitadas, em 1874, figuram Tobias Barreto, Cristinápolis, Lagarto, Poço Redondo, Geru, Itabaiana e Riachão do Dantas. Foi no povoado Samba, atual Bonfim, deste último município, que a família Santos empenhou os bens em favor da palavra e das pegadas de Antônio Conselheiro. Rumaram para o sertão baiano, Antônio Marciano dos Santos, apelidado "Marciano de Sergipe"; sua mulher, Maria Jesus dos Santos; seus pais, Joaquim José Santos e Felismina José dos Santos. (SILVA, 1996, p. 91)

Depois de anos de peregrinação, o beato fundou em Canudos, ao norte da Bahia, o Arraial do Belo Monte, em 1893. Consta que sua população cresceu vertiginosamente, despovoando cidades de Sergipe e Bahia, o que despertaria o temor dos coronéis e da igreja Católica.

Daí a omissão religiosa dos Capuchinhos, realizada em 1895, com o objetivo de convencer os fiéis a

abandonarem o arraial e seu líder espiritual. Lemos a página 25, do Relatório do Frei Evangelista ao Arcebispado da Bahia, daquele ano, a primeira afirmativa do parentesco entre Siqueira de Meneses e os naturais de Samba, do Riachão dos Dantas.

A guerra fraticida começou em 7 de novembro de 1896 e acabou em 6 de outubro de 1897. Antônio Conselheiro falecera em 22 de setembro misteriosamente.

"Canudos - como celebrizou Euclides da Cunha - não se rendeu, foi expugnada palmo a palmo" (CUNHA, 1946, p. 650), até o ultimo dos conselheiristas. Embora Euclides

da Cunha não cite, Marciano de Sergipe destacou-se como um dos últimos "kamikazes" do Belo Monte, a morrer em nome do Conselheiro. O leal súdito do Rei dos Jagunços lutou até cair domado pelos militares; degolado, teve a ainda os olhos vazados, braços e pernas desconjuntados a golpes de facão. A degola ou "gravata vermelha", como se dizia à época, vitimou também seu velho pai. (MACEDO, 1964, p. 50)

Depois do Frei Evangelista, apenas o jornalista baiano, Lellis Piedade, confirma o parentesco entre o General Siqueira de Meneses e Marciano de Sergipe. No seu Histórico e Relatório do Comitê Patriótico, de 1897, o jornalista noticia ter encontrado, em Alagoinhas/Ba, a irmã, Maria Rosa do Santos, e dois filhos de Marciano de Sergipe, a menina Jovina Marciano dos Santos e Júlio Marciano dos Santos, ambos nascidos durante o período das peregrinações pelo sertão nordestino.

Da mãe das crianças, Maria Jesus, nada se sabe, a avó, Felismina, morreu de varíola. (PIEDADE, 1897, p. 13).

A recepção festiva do 26º Batalhão da Policia Militar de Sergipe teve seu ápice na entrega da espada

concedida ao General Siqueira de Meneses pelo Governo do Estado. Daí sua vida militar já se confundia com a atuação política, uma vez que contribuíra para implantação da República em Sergipe, em 1889. Indicado pelo Presidente Marechal Hermes da Fonseca, para governar seu estado natal, em 1911, revelou-se um "delegado autoritário. Em sua gestão, os jornais mais combativos, a Folha de Sergipe e o Jornal de Sergipe, por quaisquer que tenham sido os motivos, deixaram de circular". (DANTAS, 1999, p. 65-66). Jornais que escaparam do empastelamento, submeteram-se ao panegírico das ações governistas, sob pena de sofrer a coerção do censor, o chefe de Polícia e Desembargador

Dionísio Telles. Assim posto, faz-se compreensível a inexistência dessa manchete, alguma insinuação

de parentes do governador Siqueira de Meneses no extinto Arraial do Belo Monte.

Inconfidências, ainda que tardia, apresentei o segredo de Siqueira de Meneses. Indícios? Nem isso? Então assuma o caso, descubra quem eram os seus familiares, "próximos colaterais" que engrossaram as hostes conselheiristas e habitaram Canudos até sua aniquilação.

* Thiago Fragata, Historiador, poeta e escultor sustentável

Fonte: Jornal do Dia - QUARTA-FEIRA, 20 DE SETEMBRO DE 2023

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