MENINOS DA BEIRA DO CARIÚS
Edival Oliveira
OS VELHOS
É claro que as lembranças da infância ficam marcadas na vida de todo mundo, tenham sido boas ou ruins. Carrego comigo muitas imagens, cenas, rotinas e personagens com os quais convivi há cinquenta anos, às vezes até um pouco mais. Lembro de todos os companheiros de infância como se os tivesse visto ainda ontem. Claro que hoje teria dificuldade de reconhecer alguns, pois o tempo nos transforma barbaramente.
Assim como lembro dos companheiros de traquinagem, lembro também dos idosos da minha época de criança. Pessoas que já estavam entre os setenta e noventa anos, mas que, de uma forma ou de outra, também ficaram registradas na minha memória.
Quantas vezes brinquei no quintal de Dona Mariquinha com os seus netos. "Babá", como eles a chamavam, fazia um arroz com leite para ninguém botar defeito. Era um manjar dos deuses. Na calçada de Dona Chiquinha, a diversão era brincar com o seu papagaio de estimação ou entrar e comer um bolo de goma assado na lata de sardinha, que era usada como forma. Era um verdadeiro engasga-gato.
Não havia menino que passasse na porta dela sem pedir-lhe a bênção e, assim, Mãe Sianja ia abençoando a todos com a certeza de que, por trás de cada pedido, havia um menino que ela ajudara a vir ao mundo. Parteira de todas as horas. Dona Maria Severino, além de fabricar suas panelas com o barro do riacho, tinha por tarefa benzer a criançada para curar de mal-olhado, coqueluche, quebranto, dor de olhos e encantar a todos com seu sorriso de poucos dentes e com a paz de espírito de uma vida de tanta pobreza e poucas queixas.
Uma tentação mesmo eram os sequilhos feitos por Dona Leopoldina, mãe do mestre Pedro Ferreiro e da professora Maria Luiza. Nunca a vi que não fosse vestida de preto ou com um vestido de pintas brancas e pretas, sinal de viuvez que ela guardava por toda a vida. Quantas vezes fui buscar encomendas de sequilhos que seriam enviados para o meu irmão que estudava no Crato. Fazia bolos como ninguém. Pinhas bem maduras e a granel mesmo, só as encontrávamos no quintal de Doca ou em Dona Simiana, mas desta eu tinha muito medo.
No quintal de Seu Angélico, junto com os meninos de Pedro Antero, disputávamos as groselhas vermelhinhas com os passarinhos, saboreávamos goiabas maduras e doces e depois nos divertíamos ao vê-lo espalhado, preguiçoso, aos saltos e remelexos. O velho João de Freitas, primo de minha avó materna, era de poucas palavras, andar sem pressa, passo curto e sorriso de avô olhando para os netos.
Na casa de Dona Noêmia, tinha um amigo. O velho Zé Fraz guardava canjaranas e tapiocas secas num batente da parede, ao lado de sua rede. Ia direto ao quarto dele para apanhar os meus presentes. É claro que jamais poderia esquecer Seu João Gomes aos gritos, chamando "Toin Lotero" para atender os clientes da máquina de pilar arroz.
Havia, sem dúvida, muitos outros. Eram homens e mulheres que ali, naquele pedaço de chão, se fixaram, geraram e criaram famílias numerosas: filhos, netos e bisnetos; várias gerações de meninos da beira do Cariús.
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